segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Pharmakeia Vitium

   Antonio desde pequeno adorava ir às compras. Mas, não era desses que gostava de shopping center ou supermercado. Toni, como era chamado pela família, gostava de farmácias. O visual claro, branco, bem iluminado o agradava muito. Ficava fascinado com os diferentes formatos e cores dos produtos com as mais diversas utilidades.
   Certa vez, depois de tanto insistir, convenceu sua mãe a trocar seu Tylenol pela versão genérica do medicamento. Tudo porque via a propaganda de genéricos na televisão. A imensa letra G preta estampada contra a tarja amarela na caixa do remédio chamava mais a atenção do pequeno Toni que qualquer animal fazendo sinal de positivo na embalagem de algum cereal.
   Enquanto seus amiguinhos da escola aprenderam a ler com gibis da Turma da Mônica, Toni lia bulas de medicamentos, embalagens de xampus, cremes e outros produtos vendidos na farmácia que tinham em sua casa. O pobre garoto ficava extremamente frustrado quando procurava palavras como Distearyldimonium Chloride no dicionário e não encontrava nada.
  O tempo passou  e, por não se achar digno da função, não fez faculdade de farmácia. Estudou informática. O primeiro pagamento que recebeu por formatar o computador de seu tio foi gasto na farmácia. Comprou espuma de barbear, Rinosoro, algumas pastilhas para a garganta e um pacote de camisinhas que nunca foi aberto. Com o tempo, suas compras foram ficando cada vez mais sem nexo, propósito e utilidade. Numa mesma ida à farmácia comprou lubrificante íntimo, tinta para o cabelo e remédios para a indigestão. Seu pequeno apartamento já não comportava mais tantos produtos. Toni até passou a falsificar receitas para comprar medicamentos mais pesados.
   Até que chegou a um ponto em que esquecia de comprar comida e pagar as contas para comprar qualquer coisa que fosse em alguma farmácia próxima. Foi ficando recluso e ninguém mais teve notícias dele, exceto os funcionários das farmácias que ele frequentava. Começou a tomar o primeiro remédio que via pela frente sempre que sentia fome. Logo começou a perceber as diferenças dos gostos de cada um.
   Antonio morreu sozinho, desnutrido, mas feliz. Os anti-depressivos eram seu prato favorito.

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Estalos e Contornos

O fim do ano se aproxima. Talvez até o fim dos tempos.
Mas, para mim é só o início.
Desço as escadas que têm cheiro de urina e me sento. 
O calor da chama do isqueiro aquece minhas mãos e a ponta do nariz.
Acendo o último cigarro de um dia bom.
Ouço os estalos do tabaco, do papel e das inúmeras substâncias tóxicas se queimando.
Passa um curta-metragem em minha mente. Aqueles momentos que passaram há tempo suficiente de se ter saudade, mas ainda não tanto a ponto de parecerem distantes vêem à tona na lembrança.
Fumo mais este último cigarro como uma ode ao tempo que passou tão rapidamente e ao que vêm chegando, já delineando seus contornos.
Solto os às vezes longos, às vezes curtos tragos com a esperança de que esses contornos se tornem um belo quadro que vou admirar com alegria depois de se passarem anos de sua conclusão.
Junto da pressão arterial, caem as preocupações. 
Subo o morro alegre, pensando em textos e ideias, assim como cresce a esperança de que o que vem é bom. 
Me deito e não me atormento com ideias erradas. Ao menos essa noite, apesar do calor, dormirei sozinho e tranquilo.  

domingo, 9 de dezembro de 2012

A Mentira Original

Pobre serpente. Eternamente culpada pelo pecado original da humanidade, quando o verdadeiro culpado vaga livremente por aí ainda incomodando e transmitindo doenças.
Como a serpente faria com que Eva comesse a maçã? Ela não tem elementos persuasivos para isso.
Já o pernilongo, com seu zumbido incessante e algumas picadas, tinha a ferramenta de tortura perfeita.
A mulher, não conhecia o pecado. Não mataria o torturador, que continuava zunindo e falando para que ela ignorasse a ordem de não comer do fruto daquela árvore.
Zzzzum zzzzummm zzuummm, uma picada aqui, outra ali, zzzzzzummm, zzzzzuumm...
"TÁ, CHEGA! Como um pedaço desta maçã e você para com isso!"
Mal Eva deu a mordida, o pernilongo já foi fofocar para o Todo-Poderoso que a culpa era da serpente.
Adão, depois de comer a maçã, também acreditou na versão do pernilongo. Eva, sem moral por ter burlado a única regra que lhe foi dada, não foi ouvida, e o pernilongo saiu ileso. E continua se fartando do sangue pecador dos humanos.
E a pobre serpente, virou sinal de coisa ruim, de fofoca, de inveja e tudo mais. Criatura maldita? Coitada!
Ah, como ela queria que o mundo soubesse da verdade.